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LER

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Uma invocação iglantónica de Dinis Machado

Sessão evocativa dos 80 anos de nascimento de Dinis Machado, com Anabela Mota Ribeiro, António Feio, António Jorge Gonçalves, José Pedro Gomes, José Xavier Ezequiel, Maria da Piedade Ferreira e Nuno Artur Silva. Hoje, a partir das 18h30, no Auditório Maestro Frederico de Freitas, em Lisboa.

 

«Let’s get out of here», dizia ele, era a frase que mais se ouvia nos filmes americanos. Ele, o Dinis Machado, foi meu colega de trabalho e meu amigo – meu amigo ainda é – durante mais de 10 anos.

Conheci-o na Íbis, uma editora que ficava algures na Venda Nova, e onde ele era editor da revista Tintin e de livros policiais e de cowboys, nos idos de 68. Eu passei a traduzir in­ve­rosímeis livros onde o herói às vezes morria na página 20 para ressuscitar na página 53 e foi assim que entrei, pela ­porta das traseiras e pela mão do Dinis Machado, no mundo da edição. Foi também nessa colecção, com um pseudónimo «ameri­cano», que ele publicou a trilogia policial que agora ­é reeditada pela Assírio e Alvim.

Mais tarde partilhámos a mesma sala durante muitos anos sem eu saber que para além dos seus múltiplos interesses, que iam da literatura e do cinema, de preferência americano, à Volta a Portugal em Bicicleta, que acompanhara muitas ­vezes enquanto jornalista, ou ao futebol, ele estava a escrever um livro, de que nunca falava e que mais tarde me mostrou para saber a minha opinião. Era O Que Diz Molero e foi um choque. Um choque primeiro para mim, quando o li, e depois para o Dinis Machado, quando o sucesso lhe desabou em cima.

Tudo começou com um artigo do Luís Pacheco e a partir daí foi uma onda que não parava de crescer. O Dinis Machado foi, nessa altura, e com razão, um homem feliz. Ainda hoje O Que Diz Molero é lido por novas gerações e eu, que o reli há pouco, não lhe encontrei nem uma ruga de idade.
Mas falando ainda do Dinis Machado que então conheci, era um homem discreto, grande fumador, dado a raras mas tempestuosas fúrias, que passavam depressa, mas também a uma grande ternura pelas pessoas de quem gostava, especialmente a mulher e a filha e os amigos que vinham já da infância no Bairro Alto e que ele conservava. Era um admirador incondicional do Citizen Kane, que conhecia pormenorizadamente, de Orson Welles ou de James Cagney, dos filmes ­negros dos anos 40 e 50, e era capaz de falar deles entusias­ticamente. Numa época em que a minha geração se interessava par­ticularmente pela literatura e pelos filmes franceses, ele mantinha-se fiel às suas paixões de sempre.

Aprendi muito com ele e recordo com muita saudade os tempos em que convivíamos diariamente, os mais felizes ­como os mais difíceis, os do sucesso e os da ressaca do sucesso.

Um beijo amigo, Dinis Machado e let’s get out of here!

[Texto de Maria da Piedade Ferreira publicado em Setembro de 2008 (LER nº72)]

Casas Kitadas

Hoje, a partir das 22h, mais uma sessão de Quintas de Leitura, no Teatro do Campo Alegre (Porto), com o geógrafo Álvaro Domingues, autor do desconcertante A Rua da Estrada (Dafne), a cantora lírica Mónica Lacerda Pais, e Alexandre O'Neill através de Nuno Moura e Paulo Condessa.


Menino e moço me levavam de casa nas férias grandes para, na companhia do meu flutuante agregado familiar, percorrer o país real num Nissan Sunny. O dito agregado familiar servia-se de dois tipos de exercício lúdico para promover o convívio competitivo e decidir quem pagaria cafés e portagens (o acto de pagar era essencialmente simbólico): o primeiro tipo de exercício lúdico consistia em produzir anagramas a partir dos nomes das terras que íamos atravessando, com glória eterna para quem conseguisse transformar «Freixo de Espada à Cinta» numa «atrocidade apenas fixe». O segundo exercício era mais difícil de explicar a estranhos: implicava apontar coisas que, por sermos passageiros de um automóvel a percorrer uma estrada, não devíamos estar a ver. Havia bastante latitude interpretativa, mas a maioria dos pontos eram ganhos através de involuntárias invasões de privacidade – janelas desprotegidas, retretes em quintais, etc. –; outros através do avistamento de idiossincrasias arquitectónicas: anexos grotescos, gárgulas impróprias, bricolages marcianas. O geógrafo Álvaro Domingues escreveu um livro que lhe teria garantido, ao abrigo dos regulamentos familiares, cafés e portagens pagas pelo menos até Vladivostoque.
A Rua da Estrada (ed. Dafne), um misto de antropologia do espaço e comédia de observação, é a fotobiografia não autorizada de uma população que vive e trabalha em sítios que apenas deviam servir para ir a outros sítios. Uma paisagem híbrida – entre campo e cidade, entre rota e residência – que implica uma (vagamente sugerida no texto) noção pós-estruturalista de «Morte do Autor»; num território onde as entidades responsáveis por forma, função e significado parecem ter sido massacradas num acto de planeamentocídio, as coisas vão surgindo como resposta a necessidades e emergências localizadas, à custa do muito peculiar engenho aborígene para o tuning urbanístico.
Na Rua da Estrada encontramos a glossolalia desorientadora das instalações de tabuletas, colocadas em pontos instratégicos de onde se pode chegar ao Porto, a Paços de Ferreira, ao ecocentro, à GNR, e à Fotocine Barbosa. Encontramos os novelos de fios eléctricos a pairar sobre telhados. Encontramos banheiras verticais e plintos encimados por pneus. Encontramos degraus que descem para traços contínuos e escadotes que sobem para lado nenhum. Encontramos réplicas involuntárias dos embrulhos de Christo e variações sobre os artefactos gigantes de Claes Oldenburg. Encontramos os «edifícios-rótulo», as «montras voadoras», as «casas com próteses», as «casas com piercings», as «maquetas vernaculares», os «castelos eléctricos», as «capelas do gás», os «restaurantes-cemitério» e a Residencial Bolinhos de Amor.
Muitos diagnósticos semelhantes resumem-se a diatribes sobranceiras e intransigentes, cujo único interesse no tema parece ser o facto de este servir como sinal de folia política, logística ou intelectual. Mas nota-se em Álvaro Domingues não o instinto da denúncia, mas um apreço furtivo pela forma como o caos encontra os seus próprios padrões, por entre a Babel de ordenamentos municipais e projectos institucionais, e um humor elástico, capaz de sobrepor à imagem de um friso inexplicável de tanques de lavar roupa uma pequena ostentação bibliográfica (que vai, já agora, de Deleuze e Lyotard aos Xutos e Pontapés).

Não podia ter acontecido melhor livro ao espectacular país que o inspirou. Rogério Casanova

[Texto publicado na edição nº90 da LER]

O imaginário de Alfredo Saramago

O imaginário é como um museu de imagens, sejam elas passadas, possíveis, já realizadas ou a realizar e pode manifestar-se em todas as ocasiões, seja nos sonhos, nos delírios, nas visões ou mesmo nas alucinações. O homem não pode viver sem imaginário, sem o prazer do imaginário porque ele é, antes de tudo, um antídoto do medo, principalmente do medo da morte porque, felizmente ou infelizmente, o homem é o único animal a ter consciência dela.

Alfredo Saramago nasceu e morreu em Maio (1938-2008). A Assírio & Alvim recorda-o desta vez através do texto «O Prazer do Imaginário».

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